No meu último vídeo, tratei sobre partilha de bem financiado de modo geral, através de alguma linha de crédito privada.
Nesse artigo irei abordar sobre partilha de imóvel financiado pelo Programa Minha Casa e Minha Vida, e pelo programa que o substituiu, Casa Verde e Amarela.
O minha casa e minha vida é um programa do governo federal que trata de políticas habitacionais, que adveio com a Lei nº 11.977/09, tendo como objetivo a aquisição da casa própria para as famílias de baixa renda (Na época de sua publicação para aqueles que auferiam remuneração de até R$ 4.650,00, conforme destaca o art. 1º da referida lei).
A lei foi um divisor de águas, pois com a ela o governo permitiu acesso a várias famílias a aquisição de suas casas próprias.
De fato, foi um programa atraente pelas suas taxas de juros e forma para aquisição, mas de certa forma, trouxe um risco para os homens de perderem parte do seu patrimônio quando houver divórcio ou dissolução da união estável, tudo em razão do disposto no art. 35-A.
Inclusive há uma grande discussão acerca da inconstitucionalidade da lei, justamente em razão do art. 35-A que foi inserido por meio da Medida Provisória 561/2012 que modificou a lei na época.
Quando um casal adquire durante o casamento ou união estável uma casa pelo programa minha casa minha vida, em caso de divórcio ou dissolução da união, a princípio o imóvel fica com a mulher.
Isso porque, via de regra seria registrado em nome da mulher e transferido para ela, independentemente do regime de bens da relação.
Uma das exceções está no final do art. 35-A da referida lei, caso o cônjuge varão (marido) tenha utilizado recursos do seu FGTS, este então terá direito a partilha.
O Superior Tribunal de Justiça – STJ vem admitindo também o direito a meação do marido/companheiro quando o dinheiro da participação da compra do imóvel, for proveniente de direitos trabalhistas e de cotas de sociedades.
Vale destacar, se o imóvel foi doado pelo poder público, diferente da aquisição e da compra pelo programa, o Estado é o proprietário e nesse caso haverá partilha, mas somente referente aos direitos de concessão de uso de imóvel público.
Ainda, por força do art. 73-A, excetuado as hipóteses apresentadas, os contratos em que o beneficiário final seja mulher, poderá ser firmado independentemente da anuência do outro cônjuge/companheiro, afastando a aplicação do disposto nos arts. 1.647 a 1.649 do Código Civil. Ou seja, não há necessidade de autorização do marido para a realização de negócios sobre o imóvel, não importando qual o regime de bens do casamento.
Outra exceção bem estranha que a Medida Provisória também trouxe, é quando o casal tem filhos menores, mas a guarda seja atribuída exclusivamente ao marido ou companheiro, nesses casos, o título de propriedade do imóvel será registrado em seu nome ou a ele transferido, e por sua vez, a mulher não teria direito a partilha.
Apesar de bem remota essa hipótese e com todo o respeito absurda, pode provocar uma grande disputa pela guarda de crianças apenas para a preservação do patrimônio. Entendo que a partilha de bens não poderia abraçar esse tipo de critério, aliás essa lei sequer deveria regular sobre direito de propriedade e das relações familiares.
Observe-se que o direito de propriedade acaba ficando vinculada a guarda do filho.
Ao meu ver, o art. 35-A é inconstitucional! Inclusive é possível pleitear pedido de declaração de inconstitucionalidade em sede de controle incidental (juízo a quo – local – primeira instância) utilizando o raciocínio de que fere a igualdade pregada pela Constituição (art. 5º, inciso I), e também a própria lei se contradiz, uma vez que considera o grupo familiar na hora de celebrar o contrato de financiamento, mas na hora da divisão dos bens a desconsidera totalmente.
Importante dizer, que apesar da lei inicialmente privilegiar a mulher, também pode prejudica-la em caso a guarda dos filhos ficar com o marido, por exemplo.
Tal entendimento não é isolado, pois já temos várias decisões em favor da inconstitucionalidade do art. 35-A da Lei nº 11.977/20. Vejamos algumas:
INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – ART. 35-A E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 11.977/2009, COM REDAÇÃO DETERMINADA PELA LEI N. 12.693/2012 – PARTILHA – IMÓVEL ADQUIRIDO PELO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA – INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL – OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA (INCISO I, DO ART. 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL) E AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E DO DIREITO DE PROPRIEDADE. 1. O art. 35-A da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, atribui exclusivamente à mulher (em caso de dissolução de união estável, separação ou divórcio) a propriedade de imóvel adquirido no Programa Minha Casa Minha Vida, independentemente do regime de bens adotado. O parágrafo único, do mesmo dispositivo, ao revés, atribui ao homem (exclusivamente) o título de propriedade, caso lhe seja deferida a guarda dos filhos (também independentemente do regime de bens). 2. Examinando a questão com base no artigo 5º, inciso I e no artigo 226 § 5º, ambos da Constituição Federal; e considerando nessa avaliação, principalmente, a inexistência de situação de desigualdade ou de vulnerabilidade (objetivamente considerados) que pudesse justificar o tratamento diferenciado conferido à mulher em detrimento do homem (ou ao homem em detrimento da mulher), aquela imposição, referente à atribuição da propriedade do bem exclusivamente à mulher (na hipótese do art. 35-A, caput) ou ao homem (na hipótese do parágrafo único), não pode ser compreendida de outra forma, senão como atuação ilegítima e odiosa, não só do ponto de vista da violação do princípio da isonomia, mas também pela evidente discriminação injustificada (em razão de sexo), vedada pelo art. 3º, IV, da Carta Magna, bem como por ofensa ao princípio da razoabilidade e do direito de propriedade (fl. 308). Quanto à controvérsia, alega violação do art. 35-A da Lei n. 11.977/09, atinente à atribuição exclusiva à recorrente, em caso de divórcio, do imóvel adquirido pelo Projeto Minha Casa Minha Vida, trazendo os seguintes argumentos: […] não se trata de privilégio concedido à mulher, pois a Lei n. 11.977/2009 também cuidou de destinar ao homem a transferência ou registro da propriedade do imóvel em seu nome em caso de guarda unilateral da prole pelo pai ou da efetiva partilha do bem quando a compra do imóvel, embora submetida ao programa Minha Casa Minha Vida, envolva recursos do FGTS de qualquer dos cônjuges/companheiros, oportunidade em que serão observadas as regras estabelecidas para o regime de bens adotado. Dessa forma, resta claro que houve violação ao dispositivo em questão, pois o mesmo resguarda o direito à moradia da família como integrante do mínimo existencial, conferindo a proteção à prole, bem como às mulheres de baixa renda, através de um programa social, juntamente com eventuais filhos advindos do casamento ou da união estável, o direito a aquisição de um imóvel como forma de combate à desigualdade histórica (fl. 593). É o relatório. Decido. Quanto à controvérsia, na espécie, o acórdão recorrido assim decidiu (grifos nossos): No regime de comunhão parcial consideram-se comuns todos os bens adquiridos na constância do casamento ou da união estável, por serem o resultado ou o fruto da estreita colaboração que se forma entre o marido e a mulher, salvo algumas exceções expressamente previstas em lei. […] Desse modo, comunicam-se os bens adquiridos por título oneroso, desde que tenham se incorporado ao acervo durante a constância do casamento ou da união estável. Excluem-se da incidência da regra, portanto, os adquiridos antes do casamento ou da união estável. […] Na hipótese, a autora pretende que o imóvel obtido pelo Programa Minha Casa Minha Vida não seja partilhado e sua propriedade seja atribuída exclusivamente à apelante, a teor do que dispõe o art. 35-A da Lei n. 11.977/2009. […] Como se vê, a regra é que, na hipótese de divórcio ou de dissolução de união estável, o imóvel adquirido no âmbito do “Programa Minha Casa Minha Vida” seja registrado em nome da mulher ou a ela transferido, salvo duas exceções: (1) se o imóvel foi adquirido com recursos do FGTS e (2) se o marido ou companheiro estiver com a guarda dos filhos. Na hipótese, não há prova (sequer alegação) de que o imóvel em litígio foi adquirido com recursos do FGTS. Além disso, conforme acordo firmado em audiência, a guarda da menor filha dos ex-cônjuges é exercida pela mãe. Assim, não há exceção que justifique o afastamento da regra. No entanto, no julgamento ocorrido em 15.08.2018, decidiu-se, no Órgão Especial deste Tribunal de Justiça, que a norma é inconstitucional. […] Sendo o art. 35-A da Lei n. 11.977/2009 inconstitucional, não é possível atender à pretensão da agravante, de que o imóvel adquirido pelo casal na constância do casamento não integre a partilha dos bens. Portanto, deve ser mantida a sentença que determinou “a partilha do bem imóvel na proporção de 50% para cada parte” (fls. 225/227). (…)
(STJ – AREsp: 1587849 MS 2019/0281617-0, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Publicação: DJ 21/11/2019)
UNIÃO ESTÁVEL – Ação de reconhecimento e dissolução cumulada com partilha de bens, regulamentação de guarda e alimentos – Sentença de parcial procedência do pedido inicial e procedência da reconvenção – Inconformismo da autora quanto à partilha do imóvel adquirido na constância da união – Pretendida aplicação do art. 35-A da Lei 11.977/09 – Descabimento – Inconstitucionalidade reconhecida pelo Órgão Especial deste Tribunal – Ademais, expressa exceção legal que deve ser observada – Partilha do bem que se fazia de rigor – Sentença mantida – Recurso improvido.
(TJ-SP – AC: 10025052720208260072 SP 1002505-27.2020.8.26.0072, Relator: Rui Cascaldi, Data de Julgamento: 01/02/2022, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 01/02/2022)
Conforme se verifica nos dois julgados acima colacionados, o afastamento do regime de bens adotado pelos consortes, desrespeita o exercício da autonomia privada pelas partes.
Importante lembrar, que o casamento sob o regime de comunhão parcial de bens, que é o vige na maioria esmagadora das famílias brasileiras, a lei estabelece que tudo que foi adquirido pelo casal na constância do casamento será partilhado na proporcionalmente em 50% para cada um, uma vez que se presume o esforço comum para aquisição do patrimônio. Por sua vez, as dívidas contraídas durante o matrimônio seguem a mesma lógica, com algumas ressalvas. Mas a lei do programa minha casa e minha vida despreza isso!
Entendo também que pode haver partilha das benfeitorias com o cônjuge varão, desde que comprovado o investimento.
Essas são as considerações da partilha de imóvel financiado pelo programa minha casa e minha vida, mas em 12 de janeiro de 2021, através da Lei nº14.118/2021 instituiu o programa Casa Verde Amarela, substituindo o anterior trabalhado aqui.
Para os fins que nos interessa, que é a partilha dos bens, a nova lei manteve por meio do seu art. 13, a ideia de que os contratos e registros efetivados no âmbito desse programa sejam formalizados preferencialmente em nome da mulher, e também, a pessoa que estiver este bem registrado em seu nome, poderá alienar/vender o imóvel independentemente da anuência do outro cônjuge (afastando a aplicação do disposto nos arts. 1.647, 1.648 e 1.649 do Código Civil).
Apenas para enriquecer, o art. 1.647 do Código Civil exige a outorga conjugal – uxória, da mulher, e marital, do marido – para os seguintes atos civis:
a) alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis, o que engloba a venda e a hipoteca;
b) pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens imóveis ou direitos correspondentes;
c) prestar fiança ou aval e;
d) fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.
Nos termos do seu caput, está dispensada a outorga conjugal para esses atos, se o regime de bens entre as partes for o da separação absoluta, entendida essa como apenas a separação convencional de bens, fixada por pacto antenupcial, nos termos do art. 1.687 do Código Civil (“Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real”). Isso porque na separação obrigatória de bens – imposta pela lei, nas hipóteses do art. 1.641 do CC/02- não há uma separação absoluta, pois, por força da aplicação da súmula 377 do Supremo Tribunal Federal pelas nossas Cortes, comunicam-se alguns bens, havidos durante o casamento e desde que comprovado o esforço comum dos cônjuges (STJ, EREsp. 1.623.858/MG, Rel. Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Segunda Seção, julgado em 23/5/18, DJe 30/5/18).
Insistindo a nova lei com a ideia da anterior, o contrato firmado pelo programa Casa Verde Amarela será registrado no registro de imóveis competente, sem a exigência de documentos relativos a eventual cônjuge.
E havendo prejuízos sofridos pelo cônjuge por decorrência do registro ou da transferência para um dos cônjuges ou companheiros serão resolvidos em perdas e danos (art. 15 da nova lei).
Resumindo, apesar de ser nova a lei, repetiu basicamente o texto da anterior, perdendo a oportunidade em abranger as hipóteses de outras formas de constituições familiares, desprezou a regra da guarda compartilhada (arts. 1.583 e 1.584 do Código Civil), considerando somente a possibilidade da guarda a um dos cônjuges – guarda unilateral que hoje é a exceção em nosso ordenamento jurídico.
Talvez a única novidade que poderíamos considerar, mas de forma parcial, seria caso a atribuição da propriedade traga a um dos consortes algum prejuízo, então a questão será resolvida com perdas e danos (art. 15 da lei 14.118/21).
Tal menção às perdas e danos estava apenas no art. 73-A da Lei nº 11.977/2009, no tocante à dispensa da outorga conjugal. De qualquer forma, a imputação de responsabilidade civil e o correspondente pagamento de indenização por perdas e danos decorrem de qualquer situação em que uma parte cause prejuízo a outrem, em virtude de um ilícito praticado, nos termos do art. 927, caput, do Código Civil.
Para ser franco, a nova lei aumenta o teto remuneratório familiar para concessão do financiamento, e muda o nome do programa, parando por aí as novidades. É um repeteco da lei anterior, mantendo a redação contraditória e invasiva no que atine a autonomia privada e ao direito de família, e repiso, perdeu a oportunidade de fato em inovar com soluções contemporâneas no tocante a partilha, talvez seria melhor sequer tratar tal assunto.